Para começo de conversa, devemos lembrar que a creatina é um aminoácido produzido pelo fígado a partir dos aminoácidos glicina, arginina e metionina, sendo esse último essencial (não é produzido pelo organismo e precisa ser ingerido em alimentos). Desta forma, há a necessidade de alimentação rica em proteínas para que o fígado possa gerar nossa própria creatina.
Uma vez formada, a creatina se deposita nos músculos na forma de creatina-fosfato que, por sua vez, funciona como uma espécie de reserva de fosfato para a síntese de ATP de forma anaeróbica (sem o consumo de oxigênio) para os primeiros cinco segundos da atividade muscular. Note que a energia em anaerobiose em todas as células é provida pela quebra da glicose gerando ácido láctico (glicólise) o que pode ser um problema para a célula, pois promove a queda do pH (acidose lactica) e a perda da eficiência das enzimas. No músculo, isso seria uma catástrofe se não fosse o sistema creatina-fosfato que poupa ao músculo a produção do ácido láctico nos primeiros segundos da contração muscular.
No exercício repetitivo contínuo, o músculo acaba por produzir ácido láctico, porém a presença da creatina-fosfato prolonga o surgimento dessa acidose (uma das causas da fadiga muscular). Convém lembrar que a forma mais eficaz de produção de energia de todas as células é o metabolismo aeróbico onde uma certa quantidade de glicose produz próximo a 20 vezes mais energia do que a mesma quantidade no metabolismo anaeróbico. Já deu pra perceber que a na musculatura cardíaca (que não para nunca de contrair) a creatina-fosfato é crucial, além de um constante suprimento de oxigênio para suprimir o aparecimento da fadiga que pode levar à necrose do músculo cardíaco, conhecida como infarto agudo do miocárdio.
Muito bem, desta forma a conclusão de que quanto mais creatina-fosfato no músculo melhor será o desempenho do exercício físico é corretíssima. Só não podemos esquecer que esse efeito é curtíssimo e que se torna importante em trabalhos musculares programados para não sobrecarregar os músculos com esforços repetitivos além da capacidade de oxigenação muscular do atleta levando-o, invariavelmente, à fadiga muscular. Desta forma, a creatina-fosfato é um fator importante no desempenho de atividades físicas anaeróbicas de curta duração (musculação, levantamento de peso, provas de velocidade etc.) e nem tanto durante atividades de longa duração (caminhadas, esportes de resistência etc.). E ainda mais, estudos mostram que esse efeito é importante no treinamento de atletas de alta performance, aqueles que precisam cada segundo extra de energia muscular para superar seus limites, bater recordes e coisas do gênero. A suplementação de creatina parece não alterar a peformance de atletas de provas de resistência.
Para nós, simples mortais que praticamos exercícios como forma de manter a forma ou perder aqueles clássicos 3 kg a mais (que nunca perdemos!), a suplementação alimentar com creatina pode não surtir efeito algum. Pelo contrário, pessoas que possuem problemas renais podem piorar sua condição em virtude do aumento da sobrecarga renal gerada pela alimentação hiperprotéica. Nesse casos, o simples controle da quantidade de proteínas alimentares fornecendo a quantidade média de proteínas adequada para cada indivíduo (cerca de 13% do total energético ingerido) parece ser suficiente para garantir os níveis de creatinina-fosfato musculares dentro dos valores padrões necessários para uma boa performance física. Finalmente, somente se deve ingerir suplementos alimentares para melhorar a performance física com a orientação de profissional habilitado para tal.
Saiba mais:
Gorostiaga EM, Navarro-Amézqueta I, Cusso R, Hellsten Y, Calbet JA, Guerrero M, Granados C, González-Izal M, Ibáñez J, Izquierdo M. Anaerobic energy expenditure and mechanical efficiency during exhaustive leg press exercise. PLoS One. 2010 Oct 19;5(10):e13486.(Disponível em: http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC2957441/pdf/pone.0013486.pdf)
Knechtle B, Knechtle P, Mrazek C, Senn O, Rosemann T, Imoberdorf R, Ballmer P. No effect of short-term amino acid supplementation on variables related to skeletal muscle damage in 100 km ultra-runners - a randomized controlled trial. J Int Soc Sports Nutr. 2011 Apr 7;8:6. (Disponível em : http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC3079604/pdf/1550-2783-8-6.pdf)